04 fevereiro, 2011

Estava escrito


Você foge, disfarça, se faz de boba,
Mas sabe que já está escrito
Desde o início dos tempos
Nas montanhas, nos signos do zodíaco,
Reverbera e ecoa pelas ruas da cidade
E não há como escapar:
Eu ainda vou comer você.

Você, com esse seu joguinho viciado,
De sorrir e dizer não querendo sim,
De me abraçar um tempo a mais,
Se afastando e olhando nos meus olhos
Como se eu fosse apenas outro amigos,
Mas você sabe que essa não é a nossa verdade,
Você sabe que ainda vou comer você.

Eu ainda vou comer você
- e você vai gostar muito, pode crer –
Pois eu sou mais do que você esperava
Desde seus sonhos pueris de menina
Quando você abraçava forte o travesseiro,
Mordia os lábios, crispava os dedos,
E chamava por meu nome, mesmo sem sabê-lo.

Eu vou comer você lentamente,
Deixando espaço para que você sinta
Cada passo do processo, cada centímetro,
Dando tempo para você respirar fundo,
E pensar: “eu sempre quis ser comida assim,
Num dia assim, por alguém assim!”,
E eu vou sorrir e palitar os dentes.

Eu vou comer você com fúria,
Com raiva, com o tesão de dez mendigos,
Para você só conseguir pensar:
“Que porra é essa, será que eu fiquei louca?”
De braços pro ar, como em uma montanha russa,
Descabelada, ocupando todos os espaços da cama,
Enquanto meu suor pinga no seu peito.

Eu vou começar pelo seu coração,
Essa caixa molhada de sonhos e ilusões fúteis,
Sentir suas fibras entre minhas presas,
A textura de seu amor em minha língua,
E quando eu pressioná-lo contra o céu da boca
Deixar descer em minha gorja seca
O caldo morno de seu sangue adocicado.

Depois eu vou comer a sua alma,
Translúcida e desfocada como uma nuvem,
Com cicatrizes superficiais e bordas falsas.
Degustarei os seus farrapos como um sommelier,
E já acostumado a paladar tão refinado,
Dificilmente me surpreenderei,
E cuspirei os seus restos em um guardanapo.

Só aí então me alimentarei de seu corpo,
Invólucro de carne marmorizada por decepção.
Isso eu não sei fazer diferente,
E ao acordar de manhã exausta e saciada,
Um sorriso brotará de seus lábios assados
E seus olhos vermelhos irão me encontrar
Fumando mais um cigarro na moldura da alvorada.

Então cumprir-se-á a velha profecia,
Cantada por bardos, entalhada nas tábuas,
Sussurrada em becos escuros, em bares,
Confessada em igrejas sujas e malditas
Desde o início dos tempos, pois estava escrito
Que eu ia comer você.
E que você ia bem gostar.

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