27 julho, 2010





I
Voto de Pobreza

"A poesia não irá lhe deixar rico"
Disse o pai à moça que amava o poeta
"A poesia não irá lhe deixar rico"
Disse o pai do poeta à beira do abismo

Abandonado pelos guardiães do "bom senso"
Ele seguiu apenas a seu coração
E seu coração seguia em frente
Sangrando versos sobre os guardanapos

"A poesia não irá lhe deixar rico"
Urravam os alto falantes do mundo
(sintonizados em alguma mesmice rádio-televisiva
baseada em jabás e em pesquisas de opinião
encomendadas por hábeis marketeiros que não sabem vender poesia
porque precisam pôr
antes de mais nada
um preço modesto por suas almas)

Mas o mundo é vasto para o coração
E o pobre poeta festeja
Seu profano sacerdócio
Ao receber apenas um sorriso sincero e ouvir

"Sua poesia me deixou mais rico"

Eis aqui, senhores, um dos mistérios de nossa fé!

24 julho, 2010

LAMENTOS



Este é um dos poucos lamentos que tenho feito ao longo de minha desgraçada vida. Temida e odiada por todos, outrora eu não tinha esse miserável destino. Sim, eu me orgulhava da minha beleza, eu tinha uma pele clara, olhos de um azul profundo, e cabelos dourados que se espalhavam em grandes cachos pelas minhas costas. Uma beleza que causava inveja até mesmo as mais belas deusas. Meu nome, Medusa, que significa sabedora soberana feminina. E esta é minha história, contada por mim.
Um dia, sentada num campo cercada de flores, fui surpreendida por Poísedon, deus dos mares, e numa tentativa de escapar refugiei-me no templo de Atena, do qual eu era sacerdotisa, mas essa deusa deixou-me a sorte do destino, e por Poísedon fui violentada. Não bastasse isso, essa deusa, que todos idolatram por ser justa, a mim, impetrou a maior das injustiças, por ciúmes, achando que eu estivesse disputando o amor de Poísedon, fui vítima da vingança de uma deusa que me transformou nesse ser horrendo que sou hoje.
Tenho a cabeça com cabelos em forma de serpentes venenosas, presas de javali e mãos de bronze e com um olhar que a todos que me fitassem em pedra se transformaria. Assim, fui exilada para Ciméria, país da noite eterna. Reclusa em minhas dores e minha raiva, rejeitada, incapaz de amar e ser amada. Na minha ira, alimentei apenas ódio e vingança. Violada e abandonada restou-me uma única diversão sádica, transformar em pedra todos aqueles que se aproximassem de minhas terras. Aí você deve se perguntar, o que esta ser monstruosa tem a oferecer? E eu lhe direi que dentro de mim encerra a cura e a morte, o sangue que bomba pelo lado esquerdo de meu corpo é um milagroso antídoto a qualquer enfermidade e até mesmo ressuscitar os mortos, enquanto o do lado direito o mais mortal dos venenos.
Hoje eu tiro a vida, com um simples olhar e com prazer. E não posso mudar o que sou, com centenas de anos, a loucura tomou conta de minha mente. E em alguns momentos de lucidez como este é que lamento a tortura ao qual fui imposta. Nunca tive o privilégio de ser amada, e isso é o que mais me dói. Muitas vezes, observo minhas estátuas, alguns guerreiros belos e a ultima feição de seus rostos é do mais tenebroso horror, e choro, choro as lágrimas que ninguém jamais vão as ver.
Mas depois me refaço na minha loucura, e destruo todos que tenham a audácia de me enfrentar, sem a menor compaixão. Meu único alívio é saber que sou mortal e suplico dentro de mim que algum dia surja alguém forte e corajoso o suficiente para acabar de vez com esse meu suplicio e que esse seja um dos meus últimos lamentos.

Caro leitor, após essas palavras, como se Medusa orasse pelo seu fim, surgiu um homem capaz de realizar esse feito: Perseu, após ela destruir a cada um dos seus companheiros, este com a ajuda dos deuses arrancou-lhe a cabeça. Ele acreditava que tinha matado um monstro, mas fez muito mais do que isso, libertou uma alma.


Imagem: Fúria de Titans

Rastejante Maldito

Faminto em profunda decadência
e miséria rasteja o trôpego,
em sua desgraçada vida
o indigente apenas existe.

Farejava dor e putrefação,
ao mastigar restos e carniça
nomeado mordazmente:
Rastejante Maldito.

Rejeitado com chorume nas veias
sua carne repuxada sustentava
uma pele cadavérica
que sorria doentemente.

Distante de nossos sentidos
a fantasmagórica criatura
desejava uma vida verdadeira
mas só levou migalhas e surras.

Morreu! Um sem-número de cabeças
observaram seus restos mortais
negando que sua origem
é o mesmo ventre nos pariu.


- Mensageiro Obscuro.
Março/2010.


Foto: "Escolhas" por William A. R. Ferreira.
Portal do artista: Will Artes

23 julho, 2010

Noite Acesa


Minha boca tem o gosto
Do desgosto dos meus amores
Desfeitos...

Meu cigarro vaporoso
Queima os rancores
Dos homens que larguei
Pelo meu caminho

Meus olhos brincam
De vagar sem rumo
Buscando a próxima presa

Meu copo vazio é o fim
De mais uma noite acesa
Levando pra casa ou não
A próxima vitima de minha incerteza.


São Gonçalo, 22 de junho de 2010

Anna Araujo



14 julho, 2010

Baccanale


Vasto mundo, vasto mundo!
Onde caminham num paralelo obscuro
na celebração da carne e dos desejos imundos
a falange devassa de belas succubus.
Sugo da essência pagã,
tua línguas, teus seios,
no enlevo maculado, devaneios,
da mais requisitada cortesã.
Bebemos e nos embriagamos
na taça dionisíaca carnal
o fluído orgástico que jorramos
num brinde cáustico infernal.
A visão dos corpos nus extasiados,
entorpecidos no antro da devassidão
com o clangor hedonista sem cansaço
no limiar análogo de outra dimensão.
Vasto mundo, vasto mundo!
Onde caminham num paralelo obscuro
na celebração da carne e dos desejos imundos
a falange devassa de belas sucubbus.
São Gonçalo, fevereiro de 2005.
.
imagem: Milo Manara.

13 julho, 2010



Se dizias eu te amo,

era de coração na boca,

muito engolia vento de orgulho.


Vestido decotado

trazia umas pernas desnudas.


Pavio acesso

Rodava sua baiana

se fosse preciso.


Ah...se o corpo fervia

comê-la por vezes...de frente,

em pé e de quatro.


Corria nas veias

um sangue latino, erotizado.


Marcava desenhos na pele de amante

com unhas, com dentes

vestígios de boa cama.


Saciação.


E se ainda te lembras,

silencias.


Em luz apagada,

se queda nua:

a cama espaçada,

a sombra de corpo,

encolhida do escuro.

Por Andréa de Azevedo.

09 julho, 2010

No ônibus



Sozinha,
às dez horas da manhã.
Medo do Nada,
momento sutil,
de descuidos muitos,
à meia luz
de uma penumbra.
No ônibus,
tédio pela manhã,
às dez horas da vida
medo da morte
mentiras sutis
múmias vacilantes,
como num quadro
de Gaughin
me espreitam
à meia luz
de uma penumbra
no ônibus sem-fim.

Romulo Narducci

Das sombras da cidade submissa
emerge a pálida figura do poeta
trovejando e chovendo sob o negro manto
que a noite tece para envolver seus filhos.

Os cabelos que lhe restam na cabeça em chamas,
desgrenhados como se buscassem multidireções,
como as ideias de sua mente insana,
como tentáculos de Érato buscando as almas incautas.

Acordes soltos nas paredes, tambores pagãos,
anunciam o advento da poiesis
em cada esquina de paralelepípedos gastos,
em cada amendoeira, canto ou flor.

Romulo Narducci, a sarça ardente da poesia gonçalense,
vem conduzir, após gerações de aridez,
todo um povo ao altar de Baco,
toda uma raça à desgraça e êxtase.

Louvado sejas, espectral trovejador,
Leve te seja a pena, pesados os teus passos!
Evoé, cria dos Anjos e da divina Graça,
Salve a mão que serve o vinho e a poesia!

3/9/9

06 julho, 2010

29.04.2010



Eu não sou eu, por que o eu já não existe
É uma triste mistura de nós e eles,
Que disfarça toda vez que alguém percebe.
Que detona toda vez que alguém arrisca.

O não saber que a gente está sofrendo
Pois toda vez que olha no olho o olhar é fugidio.

Eles simplesmente fingem que estão vivendo
Nós poupamos água e reciclamos lixo!
Ainda somos movidos pela hipocrisia,
E todos ficam felizes com seus sorvetes.

05 julho, 2010

Beltane




Eu canto esta prece de amor
Em honra daquele que virá
Acendo velas e incensos
Unto meu corpo com essências
Enfeito meus cabelos com flores
Em honra daquele que virá
Agora inicio meu ritual,
Me consagro as tradições
Eu canto para ele as preces do amor
Nas chamas das fogueiras
Que rompem a noite escura
Eu oro que tudo seja gentil
Que tudo se ilumine
A grande roda da vida gira,
E espero me entregar
Em honra daquele que virá
Com meu punhal saúdo o leste
Saúdo o sul, o norte e o oeste
Em meio à lua da deusa,
Espero a chegada daquele que virá
É noite de Beltane.
É o sabbat da fertilidade
Celebro a união divina que se manifestará

02 julho, 2010

Os elementos e os sentidos de minha vida


       Quando eu andava na praia, ao nascer do sol nas manhãs de primavera, naqueles anos tão fortuitos e que passaram tão rapidamente como beija-flores de flor em flor, eu me sentia a única pessoa do mundo.
       Pode parecer egocêntrico, e é, tenho plena consciência disso, mas é a forma mais simples de explicar tais sentimentos tão exóticos.
       Não há nada como relembrar aquela época marcada pelas visitas ao mar à noite e a lua refletida e espalhada nas ondas rebeldes. Ao mesmo tempo intacta, incandescente e encantadora no céu azul marinho limpo como tecido cravejado de diamantes, ou estrelas, como preferir chamar.
       Cada pegada: cada pequena pressão sobre a areia úmida causava os leves lagos sem peixes, mas carregados por toda uma vida e memórias nas energias sob os meus pés. Cada um significava um fato, uma emoção ou simplesmente um pensamento. Tudo importava em cada momento.
       Você sabia que os melhores diários estão escritos no ar? Escritos com cada parte do corpo humano e objetos e coisas que ninguém jamais imaginaria que poderiam ser usados com tal objetivo: registrar o amor em cada pedacinho desse mundo afora. O amor dos melhores momentos da vida. O amor dos melhores momentos de amor.
Lisa Stér Cöy.

www.lisastercoy.com
www.letraexotica.com
www.muquifodeletras.blogspot.com

01 julho, 2010

Alma Corsária



Eu sigo insanamente
pelas esquinas da vida,
cruzando corações dilacerados,
me fazendo de forte.

Com minha argola na orelha esquerda
por influencia corsária,
aprendi a pilhar e saquear a vida alheia
até me tornar parte dela,

quando estou prestes a vencer
sigo meu caminho
deixando vitimas feridas.
Não queria ser assim,
não existe prazer nenhum
em ferir os outros,

mas sou egoísta por natureza,
uma pessoa de coração seco,
sou capaz de te defender até de você mesmo,
mas não posso me privar de partir seu coração.


São Gonçalo, 5 de outubro de 2009

Anna Araujo