I
Sangue derramado.
Desvelo do sacrificial desejo
momentâneo de um pobre homem.
Santificado o pecado no vértice
algoz da ciência.
Santificado o beijo perdido
e os sonhos proibidos.
Nos arrastamos na poeira do tempo
da ampulheta quebrada
da incondicional paixão.
Um cordeiro não chora na fila
da degola, os lobos choram os
seus filhos perdidos,
o homem chora por si mesmo.
O ar pesa na candura do aço,
o canto anuncia dor e vitória
mas a vitória sempre é adiada
para um amanhã de desejos
nunca realizados.
O gólgota é terra de todos nós,
onde jogamos, bebemos e
somos crucificados, tal qual
filhos apátridas lançados ao mundo.
II
Imola-se vidas: desejo é tudo!
Vontade é tudo! Tesão é tudo!
Consumismo é tudo! Fé se torna
fraca e vendida em templos
que anunciam um Deus em promoção.
A manta nobre cobre o frio do corpo,
mas a alma gelada queima
incondicionalmente quem cruza o caminho
que se dá para um muro de pedras...
Onde está a escada que leva para
o horizonte cantado nos hinos de vitória?
Onde estão os ecos das palavras que
conclamavam e oravam e gemiam e
blasfemavam e prometiam e prometiam e
prometiam...?
Silêncio.
III
Do amanhã de desejos nunca realizados
escreveu-se um livro de poemas
guardado ao filho do sacrificado
que limpará o sangue derramado
de sua própria geração
de descrentes que vagam e rogam,
que trepam com suas dores
e vomitam seus pesares através
de palavras de ordem e compostura
hipócrita de seus sentimentos inacabados.
E com o sangue derramado,
no desvelo sacrificial no desejo do pobre
homem aos seus filhos imersos
nos silêncios de uma sala escura,
santificados serão os seus versos
no vértice do esquecimento de
todas as vindouras gerações de crentes
e descrentes...
imola-se novas vidas
imola-se novas vidas
e o sangue novamente é derramado.
São Gonçalo, 16 de setemebro de 2010.
Tela: Sacrifício de Isaac, Caravaggio.
Um comentário:
Belíssimo.
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