08 maio, 2010

A carne



Por muito tempo venho pensando sobre o escuro leito de minha alcova no ato de viver. Não o conceito em si, mas como realmente atuá-lo.

Como se fosse algo de dentro de minha carne, eu processo a vida nas entranhas de minhas glândulas mortas. Sem pudor, sem rubor, contemplo horrorizada o efeito desse mecanismo no processo de minha putrefação.

Doo-me suavemente à tentação do Nada.

Se a vida se alimenta de mim, eu me alimento da morte e o verme, da minha carniça.

O meu sangue é o mais fino vinho, e o meu corpo é o banquete nupcial. Que a noite seja nossa testemunha.

Venha, ó senhor dos túmulos, meu noivo, meu amigo, consumir-me a dor, a paixão, o ventre, os olhos. Venha infundir-me teu veneno. Venha consumir-me a carne.

Venha, pois nossa única certeza é a morte, e na arte cênica de atuarmos a vida somos más atores.

Um comentário:

Rafael Aerute disse...

"Doo-me suavemente à tentação do Nada"

Essa eu vou anotar no meu caderno!

Besos!