Meus mortos jazem felizes em terra santa
E quando o extremo estio castiga a velha campa
Tomam de assalto as ruas da cidade dourada
Com seu cheiro acridoce de chulé molhado
E a lembrança da obliteração que a todos aguarda.
Tenho covas abertas em minha alma de poeta
Onde repousam esperanças e defuntos amigos.
Mais arroxeados hematomas que grossas cicatrizes,
Doem sempre que o tempo vira ou muda,
E cheiram como rosas pisadas na alameda estéril.
Não posso me omitir em carregar seus corpos,
Pois eles são o adubo de minha literatura rasa,
E alicerces de uma vida assobradada, de fundos
Para a rua da eterna amargura, esquina
Com os multibecos da utópica felicidade.
E como as frondosas árvores do cemitério municipal
Fazem sombra para os chorosos visitantes ainda vivos
E para os sorridentes mortos embalados em cedro e MDF,
Congestionam o meu peito como o velho catarro
De uma infância de bronquites, rinites e insônias.
O choro, antes bálsamo vaporúbico e silencioso,
Dá lugar à poesia, esfregada em círculos sobre o coração,
Desatando antigos nós e queimando pontas soltas,
Fumaça de incenso de aras que sobe das sepulturas
Dos mortos que trago e solto pelo nariz, dentro de mim.
Que o populacho olvide os seus cadáveres, vá lá,
Eu os carrego como cruzes de ouro e marfim.
E quando tento também poupar-me do peso,
O calor aumenta sobre a terra úmida e salgada,
Levantando no ar o cheiro de chulé molhado.
Na velha campa onde jazem, felizes, os meus mortos,
Há ainda uma vaga não preenchida em cripta iluminada,
Forrada de tule, espuma branca e rendas baratas,
Onde um dia repousarei minha carne impura
E serei o morto feliz de alguém, cheirando pela cidade dourada.
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Um comentário:
Comento aqui como deixei de fazê-lo no blog. A construção deste poema está maravilhosa!
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